Carioca da gema
por Albino Castro
Chega às livrarias brasileiras neste final de inverno o mais celebrado e instigante romance histórico português deste ano, Maria da Glória – A Princesa brasileira que se tornou Rainha de Portugal, da escritora e jornalista Isabel Stiwell, que reconstitui, através da farta documentação epistolar a que teve acesso, a vida de Dona Maria II, soberana portuguesa, de 1834 a 1853, carioca da gema, nascida em 1819 no Palácio de São Cristóvão, bairro imperial do Rio de Janeiro, filha de D. Pedro - que cá é I e lá é IV. O novo trabalho da autora portuguesa foi publicado no primeiro semestre em Lisboa pela Editora Esfera dos Livros, com o título Dona Maria II – Tudo por um Reino, e o lançamento aqui é da Editora Octavo. A obra de 683 páginas, que os franceses qualificariam de um roman fleuve, também pode ser encontrada na Majestatis (
www.majestatis.com.br), livraria virtual coordenada pelo monarquista Jean Tamazato. Dona Maria II morreria ainda muito jovem, aos 34 anos, ao dar a luz ao 11º filho. Dois de seus herdeiros chegaram ao trono português, o primogênito, D. Pedro V (1837 – 1861), e D. Luís I (1838 – 1889).
Foram soberanos, simultaneamente, ao Norte e ao Sul do Atlântico, dois dos filhos de D. Pedro com Dona Maria Lepoldina (1797 – 1826), arquiduquesa austríaca filha do Imperador Francisco I de Viena – em Lisboa estava Dona Maria II e no Rio de Janeiro o seu irmão mais jovem, D. Pedro II (1825 – 1891), iluminado imperador brasileiro, ambos bisnetos de Dona Maria I (1734 – 1816), a Piedosa, e netos de D. João VI (1767 – 1826). A Rainha carioca de Portugal enfrentou grandes obstáculos desde quando deixou o Brasil, em 1828, devido à morte da mãe, e foi estudar por dois anos na Áustria. Residiria também em Londres, onde se tornaria amiga da futura Rainha Vitória (1819 – 1901), e só veria pela primeira vez a paisagem lusitana aos 14 anos, em 1833, quando o seu pai à frente das forças liberais do Porto, juntamente com os aliados açorianos da Ilha Terceira, ainda combatia as tropas leais ao seu tio, o Rei D. Miguel (1802 – 1866) – este havia desistido de ser casar com a sobrinha Maria da Glória, a quem D. Pedro oferecera a mão. D. Miguel, encorajado pela própria mãe, a espanhola Dona Carlota Joaquina, se batia pela Coroa portuguesa, já que ao irmão, por determinação de D. João VI, cabia o trono imperial brasileiro.
O reinado de Dona Maria II teria inicio após a morte do pai, D. Pedro, em 24 de setembro de 1834, às vésperas de completar 36 anos, vítima de tuberculose, nos aposentos no Palácio Real de Queluz – os restos mortais foram trasladados em 1972 para o Rio de Janeiro, porém, o seu coração continua na Igreja da Lapa, no Porto. Já no ano seguinte a Rainha portuguesa se casaria com o Príncipe alemão Augusto de Lenchtenberg, irmão de sua madrasta, Dona Amélia de Beauharnais, segunda esposa de D. Pedro, entretanto, ela enviuvaria dois meses depois – voltando a se casar em 1836 com o Príncipe Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, pai de seus onze filhos. Numa das cartas usadas para a construção da obra literária, a escritora Isabel Stiwell, que também é diretora do diário português Destak, primeiro jornal gratuito de Portugal, encontra um trecho no qual Dona Maria II afirma ser seu dever, apesar de Rainha, atender aos caprichos e desejos do marido e, por isso, teria engravidado tantas vezes. Voltada às obrigações de esposa e de soberana de um Império em crise, após a perda do Brasil, o mais rico e precioso de seus territórios, a Rainha carioca morreria sem por novamente os pés no seu amado Rio de Janeiro de uma infância tropical nos salões e jardins do Palácio de São Cristóvão.
Publicado no Jornal Portugal em Foco (
www.portugalemfoco.com.br ) 6 de setembro de 2012